Se percebe e se vive a subjetividade em sua dialética relação com a objetividade. É
percebendo e vivendo a história como possibilidade que experimento plenamente a capacidade de comparar, de ajuizar, de escolher, de decidir, de romper. E é assim que mulheres e homens eticizam o mundo, podendo, por outro lado, tomar-se transgressores da própria ética. A escolha e a decisão, atos de sujeito, de que não podemos falar numa concepção mecanicista da história, de direita ou de esquerda, e sim na sua inteligência como tempo de possibilidade, necessariamente sublimam a importância da educação. Da educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos
seres humanos à realidade tida como intocável. Por isso, falo da educação ou daformação. Nunca do puro treinamento. Por isso, não só falo e defendo, mas vivo uma
prática educativa radical, estimuladora da curiosidade crítica, à procura sempre da ou das razões de ser dos fatos. E compreendendo facilmente como uma tal prática não pode ser aceita, pelo contrário, tem de ser recusada, por quem tem, na maior ou
menor permanência do status quo, a defesa de seus interesses. Ou por quem, atrelado aos interesses dos poderosos, a eles ou elas serve. Mas, porque, reconhecendo os limites da educação, formal e informal, reconheço também a sua força, assim como porque constato a possibilidade que têm os seres humanos de assumir tarefas históricas, que volto a escrever sobre certos compromissos e deveres
que não podemos deixar de contrair se nossa opção é progressista. O dever, por exemplo, de, em nenhuma circunstância, aceitar ou estimular posturas fatalistas. O dever de recusar, por isso mesmo, afirmações como: “é uma pena que haja tanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo”. “O desemprego é uma fatalidade do fim do século”. “Galho que nasce torto, torto se conserva”. O nosso testemunho, pelo contrário, se somos progressistas, se sonhamos com uma sociedade menos agressiva, menos injusta, menos violenta, mais humana, deve ser o de quem, dizendo não a qualquer possibilidade em face dos fatos, defende a
capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e,finalmente, de intervir no mundo. As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de indagar-se e de indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e de não apenas seguir os programas a elas, mais do que propostos, impostos. As crianças precisam ter assegurado o direito de aprender a decidir, o que se faz decidindo. Se as liberdades não se constituem entregues a si mesmas, mas na assunção ética de necessários limites, a assunção ética desses limites não se faz sem riscos a serem corridos por elas e pela autoridade ou autoridades com que dialeticamente se relacionam. A tarefa progressista é assim estimular e possibilitar, nas circunstâncias mais diferentes, a capacidade de intervenção no mundo, jamais o seu contrário, o
cruzamento de braços em face dos desafios. É claro e imperioso, porém, que o meu testemunho antifatalista e que a minha defesa da intervenção no mundo jamais me tornem um voluntarista inconseqüente, que não leva em consideração a existência e a
força dos condicionamentos. Recusar a determinação não significa negar os condicionamentos. Em última análise, se progressista coerente, devo permanentemente testemunhar aos filhos, aos alunos, às filhas, aos amigos, a quem quer que seja a minha certeza de que os fatos sociais econômicos, históricos ou não se dão desta ou
daquela maneira porque assim teriam de dar-se. Mais ainda, que não se acham imunes de nossa ação sobre eles. Não somos apenas objetos de sua “vontade”, a
eles adaptando-nos, mas sujeitos históricos também, lutando por outra vontade diferente: a de mudar o mundo, não importando que esta briga dure um tempo tão prolongado que, às vezes, nela sucumbam gerações. O Movimento dos Sem Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus
companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso. O importante, porém, é reconhecer que os quilombos tanto quanto oscamponeses das Ligas e os sem terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na
imperiosa necessidade da luta na feitura da história como “façanha da liberdade”. No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: “a realidade é assim mesmo, não adianta lutar”. Pelo contrário, apostaram na intervenção no mundo para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está. Se os sem terra tivessem acreditado na “morte da história”, da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um “neobobismo” que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam de que o que vale hoje é
“pouca conversa, menos política e só resultados”, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada. A eles e elas, sem terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar ademocratização deste país devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos queclamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marchados semteto, dos sem escola, dos sem hospital, dos renegados. A marcha
esperançosa dos que sabem que mudar é possível.
percebendo e vivendo a história como possibilidade que experimento plenamente a capacidade de comparar, de ajuizar, de escolher, de decidir, de romper. E é assim que mulheres e homens eticizam o mundo, podendo, por outro lado, tomar-se transgressores da própria ética. A escolha e a decisão, atos de sujeito, de que não podemos falar numa concepção mecanicista da história, de direita ou de esquerda, e sim na sua inteligência como tempo de possibilidade, necessariamente sublimam a importância da educação. Da educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos
seres humanos à realidade tida como intocável. Por isso, falo da educação ou daformação. Nunca do puro treinamento. Por isso, não só falo e defendo, mas vivo uma
prática educativa radical, estimuladora da curiosidade crítica, à procura sempre da ou das razões de ser dos fatos. E compreendendo facilmente como uma tal prática não pode ser aceita, pelo contrário, tem de ser recusada, por quem tem, na maior ou
menor permanência do status quo, a defesa de seus interesses. Ou por quem, atrelado aos interesses dos poderosos, a eles ou elas serve. Mas, porque, reconhecendo os limites da educação, formal e informal, reconheço também a sua força, assim como porque constato a possibilidade que têm os seres humanos de assumir tarefas históricas, que volto a escrever sobre certos compromissos e deveres
que não podemos deixar de contrair se nossa opção é progressista. O dever, por exemplo, de, em nenhuma circunstância, aceitar ou estimular posturas fatalistas. O dever de recusar, por isso mesmo, afirmações como: “é uma pena que haja tanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo”. “O desemprego é uma fatalidade do fim do século”. “Galho que nasce torto, torto se conserva”. O nosso testemunho, pelo contrário, se somos progressistas, se sonhamos com uma sociedade menos agressiva, menos injusta, menos violenta, mais humana, deve ser o de quem, dizendo não a qualquer possibilidade em face dos fatos, defende a
capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e,finalmente, de intervir no mundo. As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de indagar-se e de indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e de não apenas seguir os programas a elas, mais do que propostos, impostos. As crianças precisam ter assegurado o direito de aprender a decidir, o que se faz decidindo. Se as liberdades não se constituem entregues a si mesmas, mas na assunção ética de necessários limites, a assunção ética desses limites não se faz sem riscos a serem corridos por elas e pela autoridade ou autoridades com que dialeticamente se relacionam. A tarefa progressista é assim estimular e possibilitar, nas circunstâncias mais diferentes, a capacidade de intervenção no mundo, jamais o seu contrário, o
cruzamento de braços em face dos desafios. É claro e imperioso, porém, que o meu testemunho antifatalista e que a minha defesa da intervenção no mundo jamais me tornem um voluntarista inconseqüente, que não leva em consideração a existência e a
força dos condicionamentos. Recusar a determinação não significa negar os condicionamentos. Em última análise, se progressista coerente, devo permanentemente testemunhar aos filhos, aos alunos, às filhas, aos amigos, a quem quer que seja a minha certeza de que os fatos sociais econômicos, históricos ou não se dão desta ou
daquela maneira porque assim teriam de dar-se. Mais ainda, que não se acham imunes de nossa ação sobre eles. Não somos apenas objetos de sua “vontade”, a
eles adaptando-nos, mas sujeitos históricos também, lutando por outra vontade diferente: a de mudar o mundo, não importando que esta briga dure um tempo tão prolongado que, às vezes, nela sucumbam gerações. O Movimento dos Sem Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus
companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso. O importante, porém, é reconhecer que os quilombos tanto quanto oscamponeses das Ligas e os sem terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na
imperiosa necessidade da luta na feitura da história como “façanha da liberdade”. No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: “a realidade é assim mesmo, não adianta lutar”. Pelo contrário, apostaram na intervenção no mundo para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está. Se os sem terra tivessem acreditado na “morte da história”, da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um “neobobismo” que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam de que o que vale hoje é
“pouca conversa, menos política e só resultados”, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada. A eles e elas, sem terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar ademocratização deste país devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos queclamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marchados semteto, dos sem escola, dos sem hospital, dos renegados. A marcha
esperançosa dos que sabem que mudar é possível.
EXTRAIDO DE:http://www.sinpro-abc.org.br/download/formacao4.pdf/PAULOFREIRE
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